EU VI SÃO MAMEDE CHORANDO .

Um povo que assassina um passado de glória para viver um presente de submissão, certamente morrerá na eternidade.

A CORSAME

Porém, num lance de sorte
O governo do Estado
Sentiu de perto a tragédia
E quase desesperado
Recuperou a empresa
Num jogo meio arriscado.

Foi num leilão em São Paulo
Que o Estado arrematou,
A secretaria da agricultura
Na luta se empenhou
E agora nas mãos do povo
A carioca ficou.

Novo plano se organizou
Com a cooperativa local
Formou-se uma parceria
Conseguiram capital
Como CORSAME voltou
Com grande potencial.

Reativou a agricultura
A animação chegou,
O entusiasmo do sertão
Num instante se elevou
O futuro era brilhante
Nos planos do agricultor.

Até um supermercado
Que não tinha na cidade
Foi aberto pela CORSAME
Com serviço de qualidade
Bem sortido e preço justo
Dentro da realidade.

Nessa época só a CORSAME
Tinha um supermercado,
Abastecia São Mamede,
O lucro era assegurado
Sem concorrente cresceu
Conforme o planejado.

Tudo estava dando certo
Com a empresa e a produção
Mas, do passado se esqueceram...
E eis o “X” da questão:
Alguns gênios de antigamente
Baixaram na administração.

E ainda trouxeram mais:
Insignes administradores,
Especialistas habilidosos,
Peritos e empreendedores
Gente do mais fino trato
Para lidar com agricultores.

Essa turma descobriu rápido
A utilidade que tem a mão,
Junto ao povo humilde, boa índole,
Hospitaleiro, franco irmão,
Crédulo, boa fé, presa fácil...
Para as mentes de plantão.

Organizada e competente
A atuante confraria
Altamente qualificada
Que de tudo entendia
“Menos de algodão e de povo”,
Trabalho e cidadania.

Com o nome de cooperativa
Para não chamar atenção,
Atendimento aos sócios
Ou produtores de algodão
E a turma do bem bom
Postada na administração.

E a farra veio à tona
Com mentira e enganação,
Agricultor desinformado
E pouca participação,
Lesado em seus direitos
Com escárnio e humilhação.

A cooperativa local
Pouco podia fazer
Sem forças para atuar
Junto à cúpula da poder
Imposta pela Estado,
Via tudo se perder.

Até que a CORSAME quebrou
E logo surgiu um culpado,
Foi o besouro bicudo
Dizem que foi importado
Lá dos Estados Unidos
Mas tudo está mal contado.

Outros falam em bicudo gente
Que São Mamede importou;
Ou dizem que foi a profecia
Do Frei que se realizou;
Até cometam que foi praga
Que um político jogou.

O supermercado também quebrou
E tudo sem explicação,
Quem ganhou e quem perdeu
É mera especulação
Mas, falta quem dê a resposta...
Para essa indagação.

A massa falida ficou
Presa nos grilhões da historia,
Arrebatada pela ganância
Sucumbiu antes da gloria
Lutou e nunca venceu
E morreu para a memória.


O Golpe Fatal

Sem projeto e sem empenho
Dos políticos e da comunidade,
A CORSAME ficou abandonada
Exposta ao tempo, a temeridade
Dos Vândalos amantes do descuido
Filhos importantes da sociedade.

Como não houve demanda
E ninguém se manifestou
Pra resolver o problema
Da gigante que simbolizou
Tempo de prosperidade e gloria,
Sonho, esperança e esplendor.

Morrem valores incalculáveis,
Heróis omissos são importantes,
Chefe alardeia-se timoneiro
De uma nau sem tripulantes;
Povo que se nega a indignar-se
Não passa de “pobres arritirantes”.

Diante do descaso, do desprezo...
Da insensatez, da negligência...
Da falta de respeito, de amor próprio...
De dignidade, de consciência...
De responsabilidade humana
De ombridade e coerência.

Não do governo somente
Mas, de toda comunidade...
Que se lhe mostrou incapaz
De assumir-se de verdade,
Foi conivente com o caos
E lhe cabe culpabilidade.

A CORSAME não é mais do povo
E São Mamede, pobre esquecida!
Ainda com filhos de braços
Nas esquinas, desprotegida...
Esmolando migalhas de sonhos
E de alentos que lhe inspirem a vida.

Nas mãos de estranhos jaz
Do povo a santa esperança
Já que de estranho se vive
O rumo sem rumo que dança
A sombra de melão-de-são Caetano
E ali mesmo descansa.

Morre-se de fome a gente
Que pode, mas não quer se indignar;
Morre-se a comunidade sem atitude
Que vive de estranho penar;
Morre-se um povo sem história
Incapaz de ao menos pensar.

Oh! Liberdade ensina ao povo
A morrer pelo menos como canalha,
Do que viver sem orgulho, sem sonhos,
Sem brio, sem luta, sem batalha,
Sem passado, que justifique o presente,
Sem cicatriz na carne de fio de navalha.



A conseqüência.

Eu vi São Mamede chorando!
Rostos fúnebres, acabrunhados, gestos tensos.
A tristeza sem aquiescência e num ímpeto agressivo
Instala-se no íntimo do ser de um povo que ao nascer
Era irmão gêmeo da alegria e ao crescer
Subjugou-se aos grilhões do infortúnio.

Quem viu São Mamede no passado, alegre, viçosa...
Deslumbrante, com um vigor invejável...
E sempre sorrindo...
Não compreende esse aspecto pesaroso
Estampado em sua face.

Era uma guerreira
Que sabia enfrentar os obstáculos com garra
E obstinação; porém,
Relegada ao desconforto da usura dos ímpios
Sobeja-lhe lágrimas quentes como legado
De quem um dia teve a felicidade como serva.

Vendo-a triste
Volto a um passado não longínquo
Para trazer na lembrança
Os dias de glória.
Uma glória como todas as glórias:
Regado a suor e sangue dos filhos pequenos,
Espartanos delirantes escravos do brio,
Mas que, usurpada sorrateiramente por estranhos...
Niilistas pervertidos, especialistas em vida fácil.

Eu vi São Mamede chorando!
Imersa num mar de lágrimas,
Sufocando o peito para não explodir
E sem poder gritar para denunciar a dor.
Chore São Mamede, chore, mas não em silêncio!
Chore mais alto para que os filhos escutem
Os soluços incontidos e movam ao menos
O dedo mínimo, já que se fizesse pequena
Para torná-los grandes.

Chore São Mamede, chore aos brados, aos berros!
Grite novamente pelos filhos pequenos,
Com certeza, eles virão socorrê-la...
E não são como os filhos (grandes)
Que só fazem algo para você tirando-lhe alguma
Coisa em troca.

Chore São Mamede por sua aparência...
Irreconhecível e combalida;
Chore pela ociosidade subsidiada pelo filho maior;
Chore por tudo sonhado e nada realizado;
Chore pela decadência cadenciada
Que as forças lhe impuseram;
Chore pelos filhos menores, os maiores...
Esses não lhe amam;
Chore por você mesma,
Pela nudez das vestes mais linda;
Chore porque você errou
E porque continua errando;
Chore por ser mãe de uma prole desajustada;
Chore pelo amor vertiginoso
Dos que dizem que a ama,
Pelo efêmero esquecimento
Daqueles que prometeram
Trilhar a vereda dos justos
E mancharam com atitudes e gestos
Indecorosos o caminho da verdade.

Espezinharam-lhe,
Exacerbaram a loucura dos fracos
Para proveito próprio.
Mentiram-lhe.
Lá fora lhe nodoaram:
Eu vi São Mamede chorando!

Mario Bento.

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