Padre Djacy Brasileiro: Por que você humilha seu semelhante?
Somos todos iguais. Seres
racionais. Estamos na mesma barca da vida, da fragilidade, da dor, da
mortalidade. Temos um começo e um fim. Ninguém escapa. Todos caminhamos na
mesma estrada. Não há “caminhos” diferentes para pessoas diferentes,
importantes, poderosas. Afinal, Deus nos fez semelhantes em tudo. E também
irmãos. Então, por que você humilha seu semelhante.
Infelizmente, há pessoas
que não têm consciência dessa igualdade. Vivem como se fossem superiores aos
seus semelhantes, como se não fossem frágeis, mortais, como se fossem de um
outro mundo. Possuem sensação de grandeza, intocabilidade, imutabilidade. Têm o
desejo de ser semideuses.
Por conta dessa
imbecilidade de superioridade, esses pobres mortais (estou pecando em chamá-los
de mortais) olham para os outros, sobretudo para as pessoas de condições
humildes, que não têm oque eles possuem, com o olhar da indiferença, da
arrogância, prepotência etc. Tais pessoas têm o prazer em humilhar, desprezar,
seus semelhantes. Sempre os veem como seres inferiores, sem importância alguma.
Agarrados na sua mania de grandeza sentem-se o máximo. Em outras palavras,
repito, sentem-se deuses.
Eis o que tenho ouvido de
tantas pessoas humildes, pobres, ao longo de minha caminhada de pastor por este
sertão paraibano, no que diz respeito ao tratamento recebido por esses
“deuses”. Trata-se de desabafo. São comentários tristes, chocantes,
revoltantes:
-Triste de quem não tem
nada na vida, é sempre tratado com judiação. Muita gente bacana vê a gente com
indiferença, até com nojo. Mas Deus é Pai, ele ama os pequenos.
-Tem padre que é assim:
quando é pobre, trata com desprezo, arrogância, indiferença, quando a pessoa é
rica, importante, é abraço, beijo, risos e ainda convida para almoçar ou jantar
com ele. Meu Deus, quando é pobre, não manda nem entrar na casa dele.
-Nunca vi tanta
humilhação na minha vida. O médico me tratou como lixo, como se fosse um nada
da vida. Só falava comigo gritando, urrando. Só porque sou pobre, não tenho
nada na vida.
-Tem padre que na sua
casa recebe bem quem é importante, rico, mas quem é pobre, miserável, um pobre
coitado, recebe mal, com grosseria. Ele olha logo para o relógio como a dizer:
pronto, terminou.
-Seu padre, eu tenho um
primo que agora é doutor, ganha muito, anda só de carrão, Agora seu padre, ele
passa por nós, e nem dá um bom dia. O bicho tá todo orgulhoso. Passa por nós,
como se nós não fosse família dele.
-Eu tenho uma prima rica,
só anda de carro importado, uma vez eu tava numa festa e uma pessoa perguntou
pra ela: fulana você é família desse camarada? Ah, seu padre, ela disse : ele
ainda é parente de meu pai, mas bem distante. Nojenta, sou sobrinho do seu pai,
pensei eu. Pense num desgosto. Antes, a gente andava de jumento pra roça, e hoje,
nem me conhece. Tá bom, entrego nas mãos de Deus.
-Padre, o médico me
tratou mal. Ele mandou que eu me afastasse dele, eu não sei por que seu padre,
eu acho que porque eu sou pobre. Isso foi numa consulta, padre..
-Por que há pessoas que
são tão orgulhosas? Por que se sentem o máximo? O que leva uma pessoa a ficar
tão arrogante, prepotente, sabendo que é um ser igual a qualquer um? Essas
pessoas não vão adoecer, morrer?
-Seu padre, só porque sou
pobre, não tenho nada na vida, fui mal recebido pelo juiz. Ele, seu padre,
falava comigo gritando, e eu seu padre só fazia chorar. Depois, voltei para
minha casinha, e minha filha de meu um chá pra eu me acalmar. Olha, padre, só porque
eu só pobre, tenho certeza disso.
-Uma vez certa autoridade
importante, olhou pra mim e disse assim: sabe com quem está falando? Eu sou
doutor tal. Eita ,seu padre, e me deu uma tremedeira danada. Me senti muito
humilhado por esse tal de doutor. O bicho era importante mesmo.
-Meu querido padre, uma
vez eu fui a casa de uma pessoa rica da cidade, e quando bati palma, fui logo
ouvindo: o que é, o que foi, tá não, pode ir embora. Fiquei um capeta.
-Olha, padre, tem gente
que diz: gasto muito com meus animais de estimação. É muito dinheiro. Nada
contra, seu padre. O que me deixa triste é que conheço gente assim que não tem
coragem de ajudar uma pessoa pobre ou uma instituição de caridade.
-Uma coisa vou dizer ao
senhor, quem é pobre neste mundo é tratado como cachorro. Veja padre, as fila
nos hospitais, só tem mesmo é gente lascada, sem nada pra viver. A gente não vê
um rico na fila, nem esses filhos de papai.
-Eu conheço uma moça, que
depois que se formou em medicina, agora é outra pessoa: orgulhosa, vaidosa,
parece que não é filha de Deus. Ela era pobre, e agora ficou tão besta.
-Quando um rico entra na
casa do pobre, é recebido com alegria, mas quando o pobre entra na casa do
rico, do doutor, sei lá, é mal recebido, tratado com tanta humilhação. Por que
isso, hein? Esse povo quique quer melhor que a gente, é?
-Já observei uma coisa.
Quando a gente está numa clínica, num consultório ou mesmo no hospital, o
médico ou médica passa pela gente e não dá nem um bom dia. Passa todo duro, com
a cara fechada. Não olha pra ninguém. Pra que isso, hein? Eita orgulho besta.
Ele ou ela é igual a nós, em tudo.
-Olha padre, o pobre,
quando chega no hospital, numa repartição pública, é tratado como gato, como
bicho, ninguém olha pra ele, e quando é atendido, é atendido de forma
grosseira, nojenta, seu padre.
-Padre Djacy, uma vez eu
tava na estrada, passou um parente meu, ele é doutor, e nem olhou para mim.
Eita bicho orgulhoso esse meu primo.
-Me diga uma coisa, lá no
céu, tem esse negócio de gente que foi importante na terra, ocupar os primeiros
lugares? Se for assim, seu padre Djacy, a gente ta é lascado. Nem no céu o
pobre tem vez. Vixe Maria.
-Tem gente que quando se
forma, ou arruma um bom emprego, não fala mais com a gente, fica toda
orgulhosa, antipática.
-Padre Djacy, uma doutora
assim me falou: eu sou médica, sou mais importante que qualquer pessoa, eu sou
como Deus. Quero ver as pessoas correrem atrás de mim. A doutora era tão
arrogante, tão orgulhosa, que me benzi quando sai da sala. Deus me livre!
-Quando eu trabalhava
numa loja de roupa, calçados, o dono da loja explorava os pobres trabalhadores.
Depois do expediente, a gente era tratado como burro de carga. Ele ganhava
muito dinheiro à custa do nosso trabalho. Ele vivia dizendo que pobre era pra trabalhar
para os ricos. Ele também dizia que pobre nasceu para ser pobre, para sofrer e
trabalhar muito. A gente trabalhava feito jumento, no final do mês a gente
ganhava um salário de miséria. Era tanta humilhação. A cada dia que passava, o
empresário ficava mais rico, e a gente permanecia na pobreza.
-Certo juiz me disse: o
que é? O que deseja? Saia da minha frente. Padre, saí chorando e pensando: não
sou nada neste mundo.
-Olha, padre, tem gente
que se sente tão importante, tão sem igual, que não dá um bom dia a ninguém,
sobretudo as pessoas pobres, as pessoas sem nada na vida.
-Eu já vi uma mulher da
alta sociedade, esposa de um certo político, lavar as mãos depois que pegava
nas mãos dos eleitores pobres. Eu presenciei isso, seu padre. Era lá no sítio.
-Olha, padre, tem madame
que trata suas empregadas domésticas com muita grosseria, humilhando,
desprezando, como se as empregadas não fossem nada.
-Seu padre, uma vez a
minha patroa me falou que eu não deixasse meus filhos brincarem com os filhos
dela. Eu fiquei tão triste que deixei de trabalhar na casa dela. Essa patroa
era tão antipática, tão orgulhosa. Ela vivia me dando grito e só me chamava de
minha empregada, minha cozinheira. Essa mulher levava a vida a me humilhar. Eu
chorava tanto. Trabalhava lá porque era o jeito. Terminei saindo.
-Conheço patroa que diz
assim para sua empregada doméstica: você não pode comer na nossa mesa. Você só
pode almoçar ou jantar em outro lugar, distante dos meus filhos e do meu
marido.
-Por que tanto orgulho,
vaidade, cara dura, tanta besteira, se a qualquer momento pode ter uma dor de
barriga e fazer as coisas no meio da rua, num salão de festa, no carro?.
-Padre Djacy, penso que
essa gente granfina só usa banheiro porque é o jeito. Se pudesse nunca usaria
um sanitário. Eu acho que essas pessoas têm raiva de banheiro, de papel
higiênico. Coitada, nisso elas são iguais a mim. Não têm pra onde correr. O que
eu faço, essa gente fina faz. Do mesmo jeitinho.
-Bom, o padre fulano de
tal me recebeu muito mal na sua casa, nem sequer me mandou sentar. Estava com
tanta sede, mas tive cerimônia em pedir água. Pense, seu padre, no luxo da
casa. Eita casa bonita a do padre .Eita como o padre e sua equipe são
antipáticos, Deus me livre. E é porque é padre, imagine se não fosse. Esse
padre não é de Deus, me tratou com muito ma.”
.-Padre, esse povo besta,
importante, faz as mesmas coisas que as outras pessoas fazem? Sentem dores, tem
dor de barriga, solta gases, tem dor de barriga, vomita, usa sanitário? Pelo
visto, é diferente da gente.
-Meu Deus, quanta
desumanidade! Hoje, seu padre, vale quem tem alguma coisa. Quem nada tem, nada
vale.
-Vejo que tantas pessoas
humanas são tratadas como lixo, como nada. Pra que tanto desprezo à pessoa
humana? Triste de quem nada tem. Coitado!
-Meu amigo, uma coisa é
certa, tem gente que só porque é importante, doutor prá lá, doutor prá cá,
quando morre, depois de algumas horas, a podridão toma conta. Não é assim,
padre”?
-Eu fui reclamar que o
médico não cumpre o horário integral no PSF, sabe o que ele falou? Ele falou
que o problema era dele, e que eu ficasse quietinho porque pobre não pode
falar, gritar. Ele disse que pobre é obedecer, aguentar calado.
-Olha, meu amigo padre,
meus filhos depois que se tornaram doutor, agora têm vergonha do pai e da mãe,
só porque a gente é velho, feios, só porque a gente não tem dentes e tem o
rosto engiado. Eles têm vergonha de nós, padre.
Por que humilhar seu
semelhante, tratando-o com desdém, indiferença? Só porque é pobre, humilde, não
possui o que você possui? Pra que tanto orgulho, arrogância, prepotência,
indiferença, se você pode se “apagar” a qualquer momento? A qualquer instante
você pode sofrer um AVC, uma parada cardíaca e logo ir para o buraco? Uma coisa
é certa: queira ou não queira, você, com todo seu TER (diploma de doutor,
dinheiro, riqueza, status etc.), é igual em tudo ao seu próximo na vida, na
morte, no cemitério, no inferno ou no céu. Não custa nada tomar consciência
disso.
De uma coisa tenho
certeza, o orgulho é a escada que nos leva ao inferno. Não é por acaso que São
João da Cruz dizia: “no entardecer da vida (na hora da nossa morte), seremos
julgados pelo amor”.
Para quem deseja
permanecer atolado nessa podridão de desumanidade, de falta de respeito e amor
ao próximo, vale esta máxima de Jesus: “quem se eleva, será humilhado, e quem
se humilha, será elevado”(Lc 14,11)
Padre Djacy
Brasileiro, em 12 de janeiro de 2015.
E-mail: padredjacy@hotmail.com
Twitter: @Padredjacy
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