Apesar do texto de José Aderivaldo falar sobre anedotas da cidade vizinha Santa Luzia ele cai muito bem para a cidade de São Mamede, confira;
Santa Luzia, como inúmeras cidades brasileiras, não está isenta de ter
a política permeada de anedotas e de ter suas lideranças identificadas por
apelidos pitorescos como a “baraúna”, a “soda preta” ou o “biscoitão” .
As campanhas já foram muito animadas porque, em meio a tensão da
disputa pelo voto, as atividades também tinham seu lado lúdico. Os arrastões
realizados no sábado de manhã na feira, os comícios com bons oradores,
cantadores de viola que se apresentavam com motes que insultavam o candidato.
Quem não se lembra das charangas?
Os mais jovens como eu não presenciaram períodos em que se arrastava
troncos de baraúna pela cidade; em que se comia soda ou que se distribuía
biscoito nas passeatas. A questão da subida da rampa do hospital que remonta ao
tempo em que havia um prefeito chamado dr. Ney. A famosa passeata da mentira. A
comparação dos arrastões e a contagem dos carros na carreata. Cada um desses
elementos simbólicos indicava a filiação ideológico-partidária e isso é, de
certa maneira, muito legítimo e inerente, é verdade, ao processo da campanha
eleitoral.
As comemorações, praticamente quase todas feitas por um só agrupamento
político que vem se renovando no poder há várias décadas, também acabaram
marcando esse imaginário da política. Como as águas de 2012 foram turvas, não
se ouviu tanto, mas recordo-me bem em outras eleições do carro de
som do Fernando tocando bem alto a música “a gargalhada” de Nelson Gondim. O
que mais me chocou foi uma passeata da vitória em que os partidários do
vitorioso penduraram em um jumento grandes mantas de carne de sol escorrendo
sangue para chatear o derrotado que era cirurgião plástico dos mais renomados e
queridos que Santa Luzia já teve.
Tudo isso faz parte do que eu chamo “anedota política” para não usar o
termo folclore. Algumas dessas anedotas, além de serem indicadoras da disputa,
eram e ainda são expressão de desigualdade e algum tom de violência ainda que
simbólica como diria o Bourideu. Tais anedotas não levam Santa Luzia a lugar
nenhum.
O primeiro exemplo é a história de ser do cordão. Esse termo vem do
pastoril que é um folguedo popular no qual se encena o nascimento de Jesus
Cristo. Forma-se dois cordões, um azul e outro encarnado (vermelho), e dança-se
batendo em panderolas com fitas nas citadas cores. A conversa é longa, mas
basta resumir dizendo que isso se transpôs para política e significa que
dependendo do cordão que você escolhe ou você é situação ou oposição. E, graças
a essa anedota do cordão, é que tem gente que não faz compras na loja do fulano
que é do cordão tal, ou não pode falar com sicrano do cordão oposto ou alguém
atende com má vontade e sem educação beltrano pelo fato de ser do outro cordão
ou a comadre já vai falar com o compadre pensando que ele vai atender mal por
causa da divergência. Isso acaba, a meu juízo, sendo uma forma de impor a
submissão de um grupo a outro e segregar as pessoas em dois grandes grupos: os
incluídos e os excluídos.
Outra ainda pior: “você vai pra bomba”! “Não vote em fulano senão você
vai pra bomba!”... Na prática, não significa que votar em determinado partido
vai resultar em derrota eleitoral, mas no transtorno de, além da derrota, ter
de suportar alguém soltando fogos de artifício ou mesmo bombas em sua porta.
Não podia deixar de encerrar com a anedota mais tosca (infelizmente, não terei
como esconder o remetente): a faixa colocada em praça pública saudando o rei do
Vale. O Vale do Sabugi já foi monarquia (na cabeça de quem mandou fazer a
faixa).
Minha conclusão: esses elementos lúdicos não vão desaparecer
totalmente. Mas, o problema é fazer da política uma brincadeira. Acho que
décadas vividas sob esse esquema de pensamento nos tiraram o direito de olhar o
que existe além do muro. Temos perdido a chance de contemplar o horizonte e
perceber que o nosso potencial é de sermos muito mais do ponto de vista do
emprego, da educação, da cultura, do lazer, do meio ambiente etc. Não escrevo
isso para dizer que A é melhor que B. Mas é que os tempos atuais exigem muito
mais que uma anedota convincente...É como penso.
http://www.aderivaldo.com/
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