Um dos efeitos mais nefastos do
atual momento político do país é que uma ruptura institucional capaz de
derrubar alguém da Presidência da República gera incentivos para mais rupturas
institucionais. Isso ajuda a explicar a gigantesca cara de pau do Ministério da
Educação (MEC) em instituir uma reforma do Ensino Médio por meio de uma Medida
Provisória e não por uma longa discussão que deveria congregar Congresso
Nacional e a sociedade.
É um desrespeito e uma violência
aos milhões de profissionais que atuam em educação, aos militantes que
participam dos inúmeros fóruns e instâncias de educação no país, aos alunos que
ocupam escolas em busca de uma voz. Em resumo: a todos que não têm medo do
debate – ao contrário do governo.
Ninguém nega que debater essa
etapa de ensino é urgente. O desempenho é sofrível, o currículo é
desinteressante e a evasão, monstruosa – 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17
anos estão fora da escola. Faz todo o sentido intensificar discussões e buscar
costurar acordos e consensos entre atores para avançar. E isso é algo difícil
de fazer no campo da educação. Há muita gente e muitos interesses envolvidos:
de alunos a pais, de professores a diretores, de administradores públicos a
políticos, passando por gestores públicos e proprietários de instituições
privadas.
Mas:
1) É possível (os quatro anos de
conferências e de tramitação no Congresso que desembocaram no Plano Nacional de
Educação são o melhor e mais recente exemplo) e
2) É necessário (quando se deseja viver numa democracia, claro).
2) É necessário (quando se deseja viver numa democracia, claro).
Não parece ser a opção de um
governo que pretende silenciar o debate vomitando seus “cumpra-se” baixando uma
medida. O recado do novo MEC é claro: deixe o assunto para os “especialistas”.
Para saber se você se encaixa nessa categoria, um teste rápido: seu nome é
Mendonça Filho, Maria Helena Guimarães de Castro ou Rossieli Soares da Silva?
Você é amiguinho deles? Em caso de duplo “não”, sinto muito: você não tem nada
a dizer sobre Educação. A parte que te cabe, portanto, é usufruir das
iluminadas estratégias concebidas pelos educadores de gabinete.
O que se apresentou deixa margem
a muitas dúvidas. Combinaram com os russos como gastar mais no Ensino Médio se
a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 vai limitar o crescimento nos
gastos correntes, ceifando novos investimentos em educação por 20 anos?
Ou como atrair professores para
uma carreira que paga R$ 2.135 por 40 horas – sendo que uma minoria consegue
ter a carga completa?
Quanto ao ensino noturno, fazer o
que com quem precisa estudar e trabalhar?
No campeonato de acochambrações,
tem espaço para tudo. Há coisas explícitas, como a dispensa de formação
pedagógica para pessoas de “notório saber”. Ah, pra que licenciatura, né? Além
de desmoralizar a formação docente, a proposta joga no lixo um punhado de leis cuja
confecção consumiu energia e milhares de horas de discussão de muita gente, da
LDB de 1996 às recém-aprovadas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação do magistério.
Essa última proposta já
ressuscitava a complementação pedagógica, exigindo ao menos 1.000 horas de
licenciatura para diplomados que quisessem lecionar. Agora, nem isso.
Entre as bizarrices implícitas
está a implantação do tempo integral a fórceps. Temer disse, genericamente, que
não vai reduzir o investimento em educação, o que é uma platitude. Ensino em
tempo integral é algo que, para ser feito direito, exige mais profissionais e
muuuito mais dinheiro. Eles dizem que a introdução será progressiva e que o
governo federal vai dar uma ajuda financeira para que isso seja possível, mas apenas
nos primeiros anos. E depois? Os Estados vendem um rim para pagar a conta?
Ah, tem um outro jeito também:
entuchar mais alunos. Apesar de isso ter dado muito errado no passado, hoje se
defende que mais estudantes por turma não diminui as notas nas avaliações
externas – preocupação única dos tecnocratas. Pergunte aos professores os
efeitos de longo prazo de dar aula para 35, 40, 45 alunos. Vai ser mais fácil
encontrar boa parte deles em consultórios psiquiátricos ou em casa, de
licença-saúde por burnout – ou, em português claro, após fritar.
Mas o que realmente gostei na
solenidade de lançamento foram as interessantíssimas propostas da MP para
algumas questões essenciais:
– Recuperação do status da
carreira docente e melhoria da atratividade via elevação salarial: cri cri cri
cri… [som de grilos no escuro].
– Capacitação de professores com base nas necessidades reais de sala de aula: fiiiiuuuuuuu [som de bolas de feno rolando em ruas vazias, como nos filmes sobre o Velho Oeste].
– Definição de modelo de ensino que se pretende: ERRO 404 – Página não encontrada.
– Finalidade da educação no Ensino Médio: tu tu tu tu [linha ocupada, desculpe tente mais tarde].
– Concepção do aluno que se quer formar: O que o lápis escreveu a borracha apagou.
– E do país que se pretende com os futuros cidadãos: ……… [desculpe, o som não se propaga no vácuo].
Se numa democracia o jogo é
jogado, num regime de exceção quem manda muda as regras até ganhar a partida.
Vale lembrar que a Medida Provisória é um ato do presidente da República, que
passa a valer imediatamente como lei. O Congresso Nacional só é chamado a
aprová-la ou reprová-la depois. A justificativa é a urgência e a relevância do
tema.
Ninguém nega a relevância do
tema. Mas a urgência parece mais uma saída impositiva, que teme o diálogo, do
que democrática, que é nele baseado.
A verdade é que, a cada dia, o
Brasil se transforma mais e mais num país de pequenos e grandes donos da bola.
O Conversa Afiada reproduz artigo do Blog do Sakamoto:
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